“Nós não estamos velhas aos 62.” Com essa frase estampada em um cartaz, a atriz Claudia Ohana fez, à sua maneira, um protesto contra o etarismo na Avenida Paulista. A manifestação viralizou, trazendo à tona a discussão sobre como a sociedade encara o envelhecimento. Mas, para a especialista em longevidade Candice Pomi, o verdadeiro impacto estaria em uma abordagem ainda mais inclusiva sobre o que significa envelhecer.
Segundo Candice, o problema está em afirmar que não se é velha aos 62, negando o envelhecimento como algo natural e diverso. “O que seria realmente revolucionário seria dizer: ‘Isso também é ser velha aos 62′. Porque a verdade é que envelhecer é universal, mas o processo de envelhecimento é totalmente heterogêneo. Cada um envelhece de acordo com sua história, seu estilo de vida, sua biografia. Existem muitas outras formas válidas de envelhecer. A melhor delas é aquela em que não negamos que estamos envelhecendo porque estamos, sim. E ainda que esse processo tenha suas dores, é um sinal de que a vida está acontecendo da maneira certa, afinal, ainda estamos aqui”, explica Candice.
Quando uma mulher com uma voz que ecoa em uma população, como a da atriz, hasteia uma bandeira que nega o envelhecer, automaticamente educamos a população – longeva e ainda jovem – que o adjetivo “velho” é pejorativo. E não é. “Envelhecer é parte do processo e a maneira como encaramos isso – para nós e para os outros – tem o poder de mudar um estigma tão enraizado. Envelhecemos desde o momento em que saímos do ventre materno, mas cada um irá construir sua forma própria de envelhecer através de suas escolhas. Por outro lado, não se pode romantizar o envelhecimento, pois sim, como em outras etapas da vida, esta também traz desafios importantes. O que não está tudo bem é estimular a negação ao processo de envelhecimento, já que será certamente a mais longa fase que enfrentaremos ao longo da vida”, completa a especialista.
O Brasil está envelhecendo rapidamente. Segundo o IBGE, até 2050, cerca de 30% da população brasileira terá 60 anos ou mais. Em um país onde a expectativa de vida tem aumentado, é essencial repensar a visão sobre a velhice. “Hoje, 15% da população já tem mais de 60 anos, mas ainda vemos uma grande resistência a aceitar esse período da vida de forma positiva. Não se trata de negar o envelhecimento, mas de ressignificá-lo“, acrescenta Candice.
Além disso, o recorte da manifestação de Claudia Ohana representa uma realidade muito específica: uma mulher branca, de classe média, com acesso a cuidados e visibilidade na mídia. Esse não é o cenário da maioria das mulheres acima dos 60 anos no Brasil. “Muitas mulheres negras, periféricas e trabalhadoras ainda precisam enfrentar longas jornadas de trabalho, dificuldades financeiras e barreiras de acesso à saúde. Quando dizemos que ‘não estamos velhas aos 62’, quem estamos incluindo nessa afirmação? Esse discurso pode acabar inviabilizando a realidade de quem não tem os mesmos privilégios“, analisa Candice.
O mercado de trabalho também reflete o etarismo estrutural: dados do IBGE apontam que o desemprego entre pessoas com mais de 50 anos é significativamente maior do que em outras faixas etárias. “O problema é que a palavra ‘velha’ ainda carrega um peso negativo. E por isso, muitas mulheres sentem necessidade de reafirmar que ‘não são velhas’. Mas ser velha pode e deve ser algo positivo! Velha, sim, e incrível, produtiva, desejada, saudável e potente“, ressalta Candice.
A especialista destaca que, ao negar a palavra “velha”, corremos o risco de perpetuar um preconceito disfarçado. “Negar a velhice em 2025, quando a expectativa de vida atinge os maiores picos da história, é no mínimo negacionista. Precisamos enxergar essa fase da vida com mais naturalidade“, afirma Candice.
“A revolução seria naturalizar todas as formas de envelhecer. O problema não é ser velha, e sim o que a sociedade impõe como limitação para essa fase da vida. É hora de ressignificar o termo e celebrar a diversidade do envelhecimento“, conclui.
Se queremos combater o etarismo, precisamos abrir espaço para todas as vivências e mostrar que ser velha não é um problema. Pelo contrário, pode ser um privilégio.
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