Em 2011, na nona edição do festival de cinema Curta Santos, tivemos o imenso prazer de conhecer Elke Maravilha. E quando digo conhecer, não é tietar. A foto óbvio fica sendo a unica lembrança desse dia mas a conversa com alguém tão importante como ela foi em tantos sentidos, sem dúvida, maravilhosa e que não esqueceremos.
Nascida Elke Georgievna Grunnupp, a manequim-modelo-atriz russa nasceu na antiga Leningrado, cidade que hoje leva o nome São Petesburgo. quando tinha apenas seis anos, veio para o Brasil com seus pais, fugindo das perseguições políticas do stalinismo soviético, e se estabeleceu com sua família em um sitio na cidade de Itabira, MG. Ainda no começo de sua carreira, tornou-se grande amiga da estilista Zuzu Angel, e foi presa por desacato a autoridade durante o período da Ditadura Militar por alegar que Stuart Angel Jones, filho de Zuzu, já havia sido morto pelo regime. Com isso, ela perdeu sua nacionalidade Brasileira e tornou-se apátrida, tendo obtido posteriormente a cidadania alemã que manteve por toda sua vida. Vida essa cheia de excessos e experimentações, que Elke viveu brilhantemente e sempre com simpatia e serenidade para qualquer um que se aproximasse. Em nosso breve contato, suas histórias foram cativantes e sua atenção para com dois jovens desconhecidos foi uma das mais acaloradas e carinhosas que já tivemos. Ela abraçou, beijou, sorriu e ensinou que quem luta chega lá. Nós a conhecemos um ano antes de estruturar o Sahssaricando e se eu pudesse dizer o quanto mulheres como a Elke empoderam e impulsionam garotas como eu, eu diria que é simplesmente FODA poder conhecer pessoas assim e aprender com elas.
Pelo exemplo de pessoa que ela era, decidimos separar algumas de suas icônicas frases que passam lições de vida e comentar aqui.
Vivi cada coisa no tempo da mãe natureza. Meu pai me dizia: “Minha filha, aprende com a mãe natureza”. E ela nos ensina tudo mesmo.
Essa frase é de uma simplicidade ímpar, mas ao mesmo tempo carrega uma complexa lição! Não devemos tentar apressar as coisas, muitas vezes nossa vida parece dificil, parada, mas o que tem que acontecer vai ter seu tempo certo para isso. Nos resta aproveitar cada momento de nossas vidas para aprender e compreender um pouco mais sobre nós mesmos no processo.
Eu quero é conviver! A grande arte não é viver, é conviver!
Todos sabemos o que precisamos fazer para viver. Desde nossas necessidades básicas a nossos luxos e vontades, temos idéia do que precisamos e do que queremos. Mas ninguém vive sozinho no mundo, e para ser plenamente feliz, você estará o tempo todo rodeado de outras pessoas. Saber respeitar e entender o próximo é o grande lance da vida, pois é a única forma de estarmos em paz conosco e evitamos ser pessoas desagradáveis, que outros evitam contato.
Eu nasci assim! Quando morávamos na roça, quando éramos imigrantes, meu pai não tinha dinheiro. Nós tínhamos alimentos porque nascia da terra. Nós morávamos no meio de pessoas negras e quando as mulheres soltavam as tranças e surgia aquele cabelão enooooorme eu ficava encantada e dizia: ‘Eu queria tanto ter esse cabelo’. E, então, meu pai disse ‘dá um jeito, Elke!’ E eu dei! (risos)!
As tranças de Elke Maravilha sem dúvida são sua marca registrada. As perucas gigantescas fazem parte do imaginário da atriz, e é muito difícil desassocia-lá deste visual. Elke sempre soube respeitar as origens da moda e estilo que usava, mas não se sentia intimidada pela carga sócio-cultural dos mesmos. É possivel incorporar itens de fora de nossa cultura nativa, mas é essencial manter o respeito pelas tradições que originaram esta vestimenta, acessório ou mesmo corte de cabelo, para que saibamos usar nosso estilo sem desrespeitar ninguém.
A maioria acha que sou travesti, e às vezes vem perguntar. Digo: “Sou e tenho um pau desse tamanho, quer ver?”. E aí saem correndo, tadinhos.
A sexualidade nunca foi um problema para Elke. Várias vezes questionada sobre isso, ela sempre tinha uma frase positiva e inclusiva para rebater. Elke levava a sexualidade como algo único e pessoal, e quanto mais dispostas estavam as pessoas a experimentar e aprender, melhor. Ela nunca deixou que uma bandeira ou uma insinuação se tornasse uma ofensa, pois para Elke, todas as escolhas eram certas quando feitas com o coração.
Na realidade, sempre fui um trem meio diferente, sabe? Ainda adolescente resolvi rasgar a roupa, desgrenhei o cabelo, exagerei na maquiagem e sai na rua… Levei até cuspida na cara. Mas foi bom porque entendi aquela situação como se estivessem colocando-me em teste. Talvez, se meu estilo não fosse verdadeiramente minha realidade interior, eu teria voltado atrás. Mas sabia que nunca iria recuar. Eu nunca quis agredir ninguém! O que eu quero é brincar, me mostrar, me comunicar.
Talvez a frase mais famosa de Elke Maravilha, ela extrapola os limites da opinião e chega aos níveis do conhecimento puro. Seja você, aproveite a vida, suas experiências e faça o melhor para você próprio, pois seguir o fluxo padrão e se isolar para “fazer parte” nunca vai te permitir abrir suas asas e voar!
Esperamos que seu legado não se perca e que ela continue a inspirar, artistas, mulheres, a arte e tantas outras coisas. Descanse em paz, querida Elke!
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