Tormenta RPG

Em 1999, não era muito fácil ser um jogador de RPG. O Hobby ainda estava preso a um nicho pequeno, com livros caros e/ou importados, sendo difícil entrar de cabeça no jogo.

A comunidade Rpgista Brasileira contava apenas com um farol para ter informações, a revista Dragão Brasil. Em suas primeiras edições, além de matérias anunciando o que havia de melhor no mundo do RPG, também estavam algumas aventuras, adaptações de filmes e desenhos da época para rpgs, contos e histórias em quadrinhos que enchiam o imaginário de fãs, ávidos por experimentar o jogo de qualquer forma. Mas a barreira de idioma e de valores ainda existia.

Foi então que os editores da Dragão Brasil J. M. Trevisan, Marcelo Cassaro e Rogério Saladino tomaram um passo a frente e lançaram um encarte especial na edição 50 da revista. Era dado inicio ao cenário Tormenta. A idéia do encarte era dar ao público brasileiro um cenário para jogar, juntando diversos elementos que já haviam aparecido em edições anteriores da revista como se todas estivessem conectadas em um universo próprio, e acessível para o público brasileiro.

Como era de se esperar, Tormenta foi um sucesso explosivo. O cenário foi tomando cada vez mais páginas da revista, até receber uma revista própria (Tormenta), uma série de HQs premiada intitulada Holy Avenger, e foi crescendo em diversas mídias. O cenário se expandiu, e o que antes era um encadernado para uso com sistemas famosos da época se tornou um RPG completo, com seu próprio sistema. as diversas HQs foram ampliando a história de Arton, mundo onde o jogo se passa, e os personagens extrapolaram o nicho dos RPGs rapidamente. Aproveitando a onda da época, os Mangás e Animes foram grande inspiração para o cenário, que era repleto de referências. O “Trio Tormenta”, como ficaram conhecidos os idealizadores do cenário, soube aproveitar o momento e entendiam o público brasileiro, uma vez que eles próprios faziam parte deste grupo de consumo.

A imparcialidade a partir deste momento do texto seria desonestidade da minha parte. Lembro como se fosse ontem, em pedir para o dono da banca próxima a minha casa reservar a edição especial para mim. Lembro de ter diminuido o lanche daquela semana na escola, para que me sobrassem os R$ 6,00 necessários para comprar a revista. E lembro de abri-la no caminho de volta para casa, e minha cabeça ampliar horizontes pensando imediatamente em diversas histórias e campanhas que poderiam ser exploradas naquele universo.

Tormenta fez parte da minha infância, juventude e formação como Rpgista. Explorei a cidade de Valkaria, capital do reinado onde uma deusa aprisionada em uma gigante estátua de pedra aguardava heróis que a resgatassem. Fiz compras no grande mercado da cidade voadora de Vectora, onde os mais fantásticos itens podiam ser encontrado. Lembro-me de conhecer diversos aventureiros intrépidos nas tavernas de Malpetrim, onde heróis são forjados a todo momento. Enfrentei terríveis inimigos, como a Aliança Negra dos Goblinóides, sob o comando do bugbear Thwor Ironfist, e o poderoso e implacável Sumo Sacerdote do deus da guerra, conhecido apenas como Mestre Arsenal. Temi as áreas de Tormenta, onde uma ameaça alienígena destruia tudo o que tocava. Joguei tanto e por tanto tempo que é impossível calcular quanto de minhas experiências dentro do RPG se passaram neste fantástico mundo, onde todas as possibilidades podiam ser exploradas e a imaginação não era limitada a estatísticas em uma ficha de rpg.

O tempo passou, e eu cresci. Comecei a ansiar por experiências mais complexas, desafios mais pesados e momentos novos como rpgista. Como se os criadores soubessem, o cenário cresceu também. A adição de Leonel Caldela e Guilherme Dei Svaldi no grupo de criadores deu uma nova identidade ao cenário. Os livros que ficaram conhecidos como A Trilogia da Tormenta, de Caldela, são muito mais sombrios do que o cenário estava acostumado. As descrições de cenários, efeitos e criaturas do universo ficaram mais densas, puxando para a fantasia sombria. De repente um grupo de heróis bem intencionados não era mais garantia de sucesso neste mundo. As Crônicas da Tormenta, coletâneas de contos ambientados no cenário, exploraram diversas formas literárias e mostraram o quão diverso pode ser o mundo de Arton.

Karen Soarele trouxe uma maturidade sem tamanho para o cenário com seu romance A Joia da Alma, com personagens bem desenvolvidos e história envolvente. E o mais recente lançamento, A Flecha de Fogo de Leonel Caldela desconstrói conceitos básicos da fantasia medieval em um assustador paralelo com nosso mundo atual, de forma brilhantemente escrita.

Um dos grandes diferenciais de Tormenta é que nós, na condição de público, sempre pudemos fazer parte de grandes decisões do cenário. Os autores sempre foram muito ativos com o público, e o advento da internet auxiliou a criar este gigante que hoje é o cenário de Tormenta. Com todas essas qualidades, era de se esperar o sucesso do financiamento coletivo que homenageia os 20 anos daquele encadernado despretensioso que tornou-se o maior cenário de RPG do Brasil.

Mas acredito que posso afirmar que ninguém imaginaria o tamanho desse sucesso. Tormenta 20 alcançou o status de maior financiamento coletivo do Brasil, chegando hoje (02/07) a marca de R$ 1.233.000,00, um registro histórico para o Catarse, plataforma de desenvolvimento deste tipo de financiamento. Esta arrecadação impulsionará ainda mais o cenário a crescer, tendo inclusive conquistado através do valor um curta metragem em Live Action no cenário. Ainda é possível participar do financiamento, que ficará mais 7 dias no ar. Basta entrar neste link e apoiar o projeto!

Houveram alguns erros, que foram reparados, e muitos acertos, mas certamente é um orgulho sem tamanho fazer parte da história deste cenário, e fica meu agradecimento a equipe que acreditou na popularização de um hobby que era tão inacessível na época. Criar o Projeto Contos Lúdicos, que leva o RPG para a população da Baixada Santista, foi um sonho que realizei com minha esposa e um grupo de amigos maravilhosos, e a Dragão Brasil e a Tormenta são grandes responsáveis por me fazer querer seguir em frente, enfrentar as adversidades e atrair cada vez mais jogadores novos para o hobby.

E que venham mais 20 anos cheios de novidades para que nossos aventureiros estejam sempre prontos para o inesperado!

Alvaro Ramos

30 anos, marido da Sah e co-fundador do Sahssaricando. Gosta de tudo relacionado ao mundo Geek, RPG e muito Metal!

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